Page 6 - Boletim 2023 - Escola Letra Freudiana
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parecer algo assim como uma reiteração de premissas. O ensino em
psicanálise introduz um corte nos discursos de nossa época, possibilitando
analisar neles o sintoma de mal-estar decorrente da divisão do sujeito que
habita a linguagem.
A questão proposta ao trabalho na Escola para 2023 havia sido
aventada na reunião de 2021 mas, na ocasião, foi considerado que era
preciso, como escansão necessária, cernir o lugar de semblant no discurso
analítico: a causa do desejo.
a causa do desejo, questão sobre a qual a Letra Freudiana
trabalhou durante o ano de 2022, inscreve-se num percurso de Escola, um
trilhamento. Tal caminho tornou possível delinear o estatuto de um objeto
designado por uma letra, uma notação algébrica que tem sua função e
que está situado “atrás do desejo”, no lugar da causa. Constatamos, com
Lacan, que “a objetalidade é o correlato de um páthos de corte […], objeto
perdido nos diferentes níveis da experiência corporal em que se produz
seu corte, é ela que constitui o suporte, o substrato autêntico, de toda
e qualquer função da causa” (Lacan, Sem. X, pp. 236,237). Este objeto
paradoxal, objeto perdido e de corte por excelência será localizado — num
momento posterior do ensino de Lacan — no ponto de trava central do nó
borromeano, defi nindo o lugar do mais-de-gozar ao qual se conecta todo
gozo. O que nos permite concluir também que o campo do gozo não é
outro senão o da perda encarnada no objeto a.
No rastro dessa trajetória de trabalho em torno do objeto ‘a-sexuado’,
colocou-se agora a questão sobre o sexo que apresentamos à Escola
como proposta de trabalho para o ano de 2023: O SEXO É UM DIZER.
Abordar o sexo como dizer não se faz sem articular, de modo
peremptório, a dimensão da causa. O sexo em questão determina políticas
identitárias sustentadas por nominações que, de um modo ou de outro, dão
substância ao ser: “eu sou…” É considerável a importância dessas políticas
no estabelecimento de direitos no campo jurídico e na linguagem. O corte
da psicanálise não se efetua em contraposição, mas sim na interrogação.
Partimos inicialmente de questões que nós, psicanalistas, nos
perguntamos há muito tempo, e isso desde Freud: o que é o sexo para
o ser falante? Qual a diferença entre sexo e sexualidade? Por que o
termo ‘identidade’ faz problema para a psicanálise? Como lidar, a partir
do discurso analítico, com as novas demandas e nomenclaturas sobre
gênero e sexo que são supostas garantir um maior respeito à diversidade
sexual — mas que, muitas vezes, acabam criando uma proliferação de
‘identidades’ que tamponam o ponto de vazio estrutural para a psicanálise,
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