Page 5 - Boletim 2023 - Escola Letra Freudiana
P. 5

O sexo é um dizer





                                         Aquilo  que  constitui  a  masculinidade  ou  a
                                         feminilidade é uma característica desconhecida
                                         que  a  anatomia  não  pode  apreender
                                                      Freud, "Conferência 33", p. 106

                  Como procede a Escola Letra Freudiana na formulação de uma
            proposta de ensino enodado à transmissão da psicanálise?
                  A pergunta já traz o início de uma resposta que concerne à Escola.
            Comecemos por dizer que não se trata da escolha de um tema como é
            abordado pelo ensino na universidade.
                  A cada ano o Colegiado, em assembleia, solicita aos membros que
            participaram de colegiados anteriores a formação de um Conselho, cujo
            trabalho específi co consiste em elaborar uma proposta de ensino a ser
            tratada no ano seguinte.
                  A  reunião  do  Colegiado  com  o  Conselho  se  dá  em  torno  dos
            problemas cruciais para a psicanálise – isso se constata na leitura das
            propostas que a cada ano foram formuladas desde a fundação da Letra
            Freudiana. Cabe, aqui, trazer à memória que no ato inaugural a questão
            lançada foi a transferência; os cartéis que se formaram trabalharam esse
            conceito fundamental e os produtos desse trabalho convergiram na primeira
            jornada da Letra Freudiana. O projeto de psicanálise instituído em 1981
            inaugurava uma direção do ensino constituída por sucessivos enodamentos
            dos escritos de Freud e de Lacan que terão circunscrito a questão, a ser
            verifi cada um a um, questão essa da formação do analista.
                  A proposta do ensino consiste num trilhamento que inscreve as
            difi culdades e os impasses da experiência analítica e os restos de um
            saber em fracasso ante a impossibilidade de dizer a relação sexual.
                  Apresentada e discutida em assembleia, a proposta opera como
            causa de um ensino – cartéis, leituras, núcleos de investigação clínica e
            seminários – à conta e risco de cada um que decida assumir a palavra,
            levando em conta seu peso e seu alcance na experiência analítica. Ao
            ensinante  retorna  a  questão  de  sua  posição  em  relação  ao  discurso
            analítico em que o saber trabalha sob a barra na dimensão da verdade. Os
            problemas cruciais da psicanálise, a partir dos quais um ensino se formula,
            são limitados, menos por insufi ciência e sim por incidência do real. Para
            um leitor desavisado, seduzido pelos discursos da “contemporaneidade”,
            o retorno a questões cruciais – o real volta sempre ao mesmo lugar – pode



                                                                        3
   1   2   3   4   5   6   7   8   9   10