Page 6 - Boletim 2024 - ELF
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O termo “escolha” aponta a uma escolha que não é consciente
e livre, mas remete à operação de alienação e separação ao campo
do Outro que faz parte da constituição do sujeito e que se atualiza, por
meio da transferência, na experiência analítica. Escolha que implica
necessariamente a perda: só podemos escolher a vida sem a bolsa e só
há escolha da liberdade de morrer.
No texto de Freud de 1913, “O tema da escolha do cofrinho”, em
que se aborda também uma escolha forçada na qual — assim como no
Mercador de Veneza, no Rei Lear, incluindo ainda alguns contos dos Irmãos
Grimm — trata-se de, sob a roupagem da beleza, da palidez ou da quietude
de três ou mais mulheres, das quais se deve escolher apenas uma, sob
essa roupagem repousa a escolha verdadeira e escondida, a morte. Que
poderia ser um outro nome para a castração. Diz Freud a respeito do mito
da escolha das três irmãs: “a escolha ocupa o lugar da necessidade, da
fatalidade. Assim o homem vence a morte, que reconheceu em seu pensar.
Não se concebe maior triunfo da realização do desejo. Escolhe-se ali onde
na realidade efetiva obedece à compulsão, e não escolhe a terrível, mas
a mais bela e desejável” (Freud [1913] vol. XII, p. 315, Amorrortu).
Retomando a frase: “o ser sexuado não se autoriza senão dele
mesmo ... e por alguns outros”, somos remetidos à dimensão do ato no
autorizar-se. Apresenta-se, no mesmo golpe, um pressuposto fundamental
ao discurso analítico: o de não recorrer a nenhuma substância por não
se referir jamais a nenhum ser: “o que se refere ao ser, a um ser que se
colocaria como absoluto nunca é senão a fratura, a quebra, a interrupção
da fórmula “ser sexuado”, na medida em que o ser sexuado está implicado
no gozo” (Encore, p. 24).
No que toca ao ser sexuado — se falamos de escolha, de autorizar-
se, de ato — como poderíamos abordar então, a partir do discurso analítico,
a questão fundamental da liberdade, que foi trazida como interrogação por
um colega em uma de nossas Reuniões D’Escola?
Assim como muitos acreditaram que, com a revolução sexual dos
anos 60, as pessoas seriam mais “livres” em relação ao sexo, talvez menos
atrapalhadas com o sexo — o que talvez seja verdadeiro, mas apenas em
parte —, nos tempos atuais, ressurge a crença de que as proliferantes
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