Page 46 - Boletim 2024 - ELF
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Psicanálise e escrita
[...] trabalho com a suposição de que
nosso mecanismo psíquico tenha surgido
de uma sobreposição de camadas, na
qual, de tempos em tempos, o material
presente na forma de rastros mnêmicos
sofre uma reorganização, uma reescrita
Freud, "Carta 52"
[...] só existe lapsus calami, mesmo
quando se trata de um lapsus linguae...
Lacan. De um discurso que não seria do semblante
A partir do horizonte esboçado por Freud a respeito da escrita
pictográfi ca nos sonhos, Lacan destaca que o sintoma pode ser lido por
se inscrever em um processo de escrita. O aparelho psíquico freudiano
prenuncia a superfície de escrita que se produz na experiência analítica
se esta não se reduz à primazia do simbólico.
Se a verdade provém do real e tem uma estrutura de fi cção, isto
não quer dizer que a fi cção construída numa análise seja, a princípio, da
mesma dimensão fi ccional do campo das artes. A escrita que a suporta
vem de um lugar diferente daquele do signifi cante, é algo que toca o real.
Essa letra não é da ordem das letras literárias.
A partir destas considerações, como ensaiar uma articulação da
psicanálise com o escrito obtido por meio da caneta, teclado, pincel,
estilete, cinzel ou mesmo pelo cinematógrafo? Trata-se da tentativa – a
partir destas manifestações no campo das artes – de rastrear, demarcar na
contingência, pontos de opacidade que sugerem alguma aproximação ao
real: uma certa passagem à escrita do que não para de não se escrever.
Francisco José Bezerra Santos
Início: março.
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